Só um recurso cabível contra cada decisão? Depende!

Contra cada decisão judicial será cabível apenas um recurso. Este é um mantra do processo civil brasileiro traduzido no chamado princípio da unicidade ou unirrecorribildade ou (ainda!) singularidade recursal. É uma regra geral que já teve previsão expressa (art. 809, CPC/39) e no código atual decorre da interpretação sistemática das hipóteses de cabimento dos recursos.

 

O CPC/15 prevê de forma expressa cada recurso existente no ordenamento (art. 994). Se não está na lei (ou na Constituição, é claro), não é cabível. Essa ideia destilada é o chamado princípio da taxatividade: recursos são taxativamente previstos, ou não existem. Por mais que o imaginário popular frequentemente conclua o contrário, os advogados não inventam recursos. Essa dádiva é do legislador federal.

 

Voltando à unirrecorribilidade… O Código, atrelado à previsão desses recursos, atribui a cada uma ou mais hipóteses de cabimento, casos em que o recurso pode ser utilizado para alterar uma decisão. Nesse sentido ver art. 1.009, 1.0015, etc.. A  leitura conjunta de todas as previsões de cabimento forma um quadro em que, em qualquer caso, caberá apenas um recurso (ou não caberá nenhum e o assunto transitará em julgado. Boa sorte com a Ação Rescisória!). Mas pera aí: Como boa regra, comporta exceções:

 

1 – Embargos de declaração: salvo algumas equivocadas distorções empurradas pela jurisprudência, embargos cabem contra qualquer decisão, desde que ela em tese contenha omissão, contradição, obscuridade ou erro material (hipóteses do art. 1.022, CPC). Dada a falibilidade humana, esses defeitos não são exclusividade de um tipo específico de decisão. Então, sempre que for cabível qualquer dos outros recursos, também cabem, em tese, embargos de declaração. Essa a primeira exceção. Tem mais uma.

 

2 – Recurso Extraordinário e Especial: contra decisão de Tribunal tomada em última instância poderão caber simultaneamente Recurso Extraordinário ao STF (art. 102, III, CF) e Especial ao STJ (art. 105, III, CF), a depender se o recorrente alegar violações simultâneas à legislação federal e à Constituição Federal. Isso ocorre porque as previsões desses recursos na Constituição se sobrepõem quanto ao tipo de decisão. Ambos cabem contra decisão de tribunal em última instância.  O recurso especial exige tratar-se de decisão “de tribunal”, enquanto o recurso extraordinário não faz essa especificação. Então apenas no caso de decisão de tribunal é que haverá essa sobreposição. Contudo, as competências do STF e STJ não se sobrepõem justamente porque as hipóteses de cabimento são diferentes: a um cabe reavaliar a decisão especificamente sob o enfoque da Constituição Federal e ao outro da legislação federal. Os recursos podem ser interpostos simultâneamente contra a mesma decisão.

 

3 – Agravos em recurso extraordinário ou especial: essa exceção nem sempre é lembrada e pode gerar alguma polêmica na prática forense, por isso é recomendável cuidado. Ela surgiu com a reforma do CPC/15 implementada pela Lei 13.256/16. Essa lei dividiu a previsão dos agravos contra decisão nos tribunais locais que não conhece dos recursos especiais e extraordinários a depender se o acórdão recorrido adota entendimento de recurso especial ou extraordinário repetitivo. Se a decisão não contiver aplicação de entendimento dessa natureza caberá agravo destinado aos tribunais superiores. Contudo, se a decisão aplicar entendimento de julgamento repetitivo, caberá  apenas agravo interno para o próprio tribunal local. Ok, por que então há exceção à unicidade recursal? Ao que parece são hipóteses excludentes entre si, não? não? Não!

 

A vida real é duramente mais complexa do que a lei pode prever e frequentemente a adoção de um entendimento de caso repetitivo pode não abordar todos os temas discutidos e violações suscitadas no recurso especial ou extraordinário. Pense no simples exemplo em que para a discussão de honorários de sucumbência o tribunal local adota entendimento do tema repetitivo 1.046 do STJ e para o mérito do caso não há entendimento repetitivo. Aqui a decisão de inadmissibilidade terá fundamento tanto no art. 1.030, I, ‘b’ (aplicação do tema repetitivo), quanto do art. 1.030, V (inadmissibilidade comum, por qualquer outra razão). Se a parte recorrer tratando de ambos os assuntos, alegando diferentes violações à legislação federal, o fato de haver aplicação de tema repetitivo quanto a honorários não torna o agravo interno o meio adequado para revisar a decisão de admissibilidade sobre o mérito, contra a qual há previsão expressa do agravo direto ao STJ (art. 1.042 c/c 1.030, §1º, CPC). Entender pela unicidade recursal aqui provocaria hipótese de negativa de jurisdição, uma vez que forçará a parte a não recorrer de aplicação de tema repetitivo (mesmo que sustente que seu caso seja diferente!) para que tenha acesso ao Tribunal Superior.


Em resumo: contra qualquer decisão caberá apenas um recurso, salvo a exceção geral dos embargos de declaração e caso seja decisão de última instância em Tribunal, quando poderão caber recurso especial ou extraordinário e sucessivos agravos em recurso especial ou extraordinário ou agravos internos a depender dos fundamentos do acórdão recorrido.